sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009


Pronunciamento do deputado Inácio Arruda, realizado em 05/03/2002, em homenagem ao poeta popular Patativa do Assaré, no transcurso dos seus 93 anos de existência, solicitando à Mesa Diretora que lhe seja concedida a Medalha do Mérito Legislativo.


“A minha rima faz parte das obras da Criação”, dizia Patativa do Assaré há pouco mais de dois decênios, quando tentava explicar a força natural dos poemas que escorriam dos seus lábios, seduzindo pela beleza e criatividade. Seus versos soam assim como se a natureza e a sociedade, dotadas de inspiração, transbordassem pelas páginas mais gratificantes da literatura popular.
Por isso, a compreensão da obra de Patativa do Assaré pressupõe o resgate do seu vínculo profundo com a realidade de onde emergiu, da história da cultura popular em sua fisionomia mais autêntica e, em especial, da Literatura de Cordel e de sua importância na construção do saber popular -- enquanto conjunto de narrativas que, chegando com os colonizadores, adaptou-se aos nossos códigos, ao nosso estilo próprio de fazer e contar nossos feitos.
Conforme o professor Gilmar de Carvalho, a junção entre o sabor da métrica e da musicalidade à riqueza da oralidade, ao papel dos violeiros, da transmissão oral das estórias e das narrativas tradicionais, resultou nesse forte instrumento da literatura popular. E, nele, Patativa trafega como um conquistador, num vivo momento culminante dessa história com antecedentes que superam seus longos anos vividos ao longo de quase um século.
O ano de 2001 foi marcado pelas comemorações relativas aos 100 anos de Cordel. Vale ressaltar que tais comemorações dizem respeito ao Cordel que fala do cotidiano, nascido no alvorecer do processo de urbanização do País, resultando no cordel-crônica. O folheto, segundo Câmara Cascudo, como produto de edição popular, surge nas últimas décadas do século XIX e início do século XX com Leandro Gomes de Barros (1865 – 1918) quando escreve sobre a passagem do cometa Halley ou sobre os problemas dos trens ingleses. Leandro é considerado como o primeiro a editar e comercializar o Cordel, passando por João Martins de Athayde (1880–1959) e chegando a José Bernardo da Silva (1901– 1972), fundador da Tipografia São Francisco (1936).
A função artístico-cultural do Cordel possui um poder de encanto, de diversão, de informação que se alia à capacidade de instrumento de alfabetização do povo nordestino. Muita gente se alfabetizou graças ao Cordel, lendo Soldado Jogador, Pavão Misterioso; Proezas de João Grilo entre outros. Um exemplo é o de minha mãe, Francisca Nunes de Arruda, que aprendeu o dom das letras mediante a leitura do cordel nos sertões do Seridó, em Mossoró (RN) e que, justamente hoje, completa 67 anos.
O folheto impresso passou a circular entre as pessoas como uma espécie de cartilha. Os textos passavam a ser familiarizados à medida que as pessoas iam mantendo contato com a escrita e a leitura. As leituras coletivas reproduziam no cenário nordestino as vigílias medievais, ressalta Gilmar de Carvalho, proporcionando a possibilidade do sonho e do enredo de estórias. É nessa trajetória do saber popular que compreendemos Antonio Gonçalves da Silva - o Patativa do Assaré, expoente vivo da construção do Cordel nordestino.
Nascido em 05 de março de 1909, na Serra de Santana, em Assaré, descobre a poesia por meio da leitura de um cordel, desenvolvendo uma rica obra que vai de folhetos políticos a ecológicos; do gracejo ao encantamento.
Filho de um agricultor da região do Cariri ficou órfão de pai aos oito anos, passando a trabalhar no campo para ajudar sua mãe e sua família. Escolarizado durante seis meses, quando tinha 12 anos, percebe que seu mestre, embora extremamente generoso e dedicado, era precariamente letrado e não sabia ensinar pontuação. É dessa forma que aprende a ler, sem ponto e sem vírgula. A voz – pausada e rigorosamente clara, bem explicada, repleta de volteios -- dava o ritmo da poesia. E começa a fazer versos já por volta dos 13 e 14 anos de idade.
Aos 16 anos adquire uma viola de dez cordas e começa a fazer improvisações. Cantar passa a ser motivo de prazer e alegria. Aos 20 anos, numa visita ao Pará, conhece o escritor cearense José Carvalho de Brito, que lhe consagrou um capítulo em seu livro: O matuto cearense e o caboclo do Pará. Além disso, publica os primeiros textos de Antonio Gonçalves n´O Correio do Ceará, onde colaborava. Os textos eram acompanhados de um comentário em que José Carvalho compara a poesia de Gonçalves ao canto da patativa. Foi assim que nasceu o pseudônimo de Patativa que -- para distingui-lo de outros improvisadores que tinham o nome inspirado no mesmo pássaro -- foi acrescido do nome de sua terra natal: Assaré.
O poeta Patativa do Assaré canta a fome e a miséria do povo da caatinga e do agreste, permitindo-lhes sonhar e se encantar. É Autor de Inspiração Nordestina, Ispinho e fulô, Cante Lá que Eu canto cá, Balceiro, Aqui tem coisa e Balceiro 2 - Patativa e outros poetas de Assaré. Muitos escreveram sobre Patativa, a exemplo de Cordéis e Antologia poética. A biografia do poeta popular está retratada em importantes títulos: O poeta do povo – Vida e obra de Patativa do Assaré, e Patativa do Assaré, entre outros.
A vida e a obra do poeta popular é estudada por intelectuais dentro e fora do país, com destaque pioneiro para a Universidade de Sorbonne, em Paris (França). Somente depois despertou maior interesse na Universidade Federal do Ceará (UFC) e na Universidade de São Paulo (USP).
O nordestino cantado por Patativa tem desejos, quer mudanças, tem graça e beleza, mesmo que estejam nos grotões do Nordeste ou espalhados pelos quatro cantos do mundo, esquecidos pelas elites -- pelos donos do poder. Patativa retrata essa realidade com a maestria de um “doutor sem canudo”[1], de um roceiro analfabeto, órfão de liberdade e fraternidade, em seu poema Eu Quero[2]:
“Quero um chefe brasileiro
Fiel, firme e justiceiro
Capaz de nos proteger
Que do campo até à rua
O povo todo possua
O direito de viver.
Quero paz e liberdade
Sossego e fraternidade
Na nossa pátria natal
Desde a cidade ao deserto
Quero o operário liberto
Da exploração patronal
Quero ver do Sul ao Norte
O nosso caboclo forte
Trocar a casa de palha
Por confortável guarida
Quero a terra dividida
Para quem nela trabalha.
Eu quero o agregado isento
Do terrível sofrimento
Do maldito cativeiro
Quero ver o meu país
Rico, ditoso e feliz
Livre do julgo estrangeiro.
A bem do nosso progresso
Quero o apoio do Congresso
Sobre uma Reforma Agrária
Que venha por sua vez
Libertar o camponês
Da situação precária.
Finalmente, meus senhores,
Quero ouvir entre os primores
Debaixo do Céu de anil
As mais primorosas notas
Dos cantos dos patriotas
Cantando a paz do Brasil”.
A poesia de Patativa nos aborda prenhe de atualidade. Nesta justa homenagem, seus versos nos invocam a cantar a realidade do povo brasileiro e nordestino. Hoje , quando pairam sobre as conquistas mais profundas da nossa gente ameaças de desmantelamento, suas estrofes renovadas nos conclamam à persistência na luta por um Brasil justo e feliz, que passa pela resistência à continuidade das privatizações, à ofensiva sobre a CLT e à implantação da ALCA, em defesa da cultura popular enquanto livre expressão das manifestações de nosso povo -- instrumento de combate ao processo de desnacionalização de nosso país e de nossa gente.
Gostaria de registrar, ainda, os 100 anos de José Bernardo da Silva, comemorados em 2001, ressaltando a difícil situação em que se encontra a então Lira Nordestina. Segundo o Professor Renato Casimiro (UFC), após a sua morte, em 1972, a tipografia foi passando de mão em mão, peregrinando por diversos pontos da cidade de Juazeiro, o que ocasionou a deterioração e perda do acervo. Conhecida como Literatura de Cordel José Bernardo da Silva, passou a ser denominada Lira Nordestina por batismo do gênio Patativa do Assaré. Até hoje, a Lira tem sua guarda e zelo a cargo da então recém-fundada Universidade Regional do Cariri (URCA).
A história da velha Lira se confunde com o Nordeste, com o Cariri, com Patativa e José Bernardo. Deve ser preservada, pela dedicação dos artistas da região e, sobretudo, em favor da memória de nosso povo. Ë válido ressaltar, que neste início de século o Cordel ganha força no Brasil e no Nordeste, especialmente nas cidades de Fortaleza, Recife e Campina Grande. Nesta, o Cordel já foi adotado pelas escolas públicas municipais.
Neste dia 05 de março, quando Patativa do Assaré completa 93 anos de profícua existência, dos quais 80 dedicados à poesia, solicito à Mesa Diretora que lhe seja concedida a Medalha do Mérito Legislativo. Condecorá-lo é um gesto de homenagem ao povo nordestino e aos seus cantadores, violeiros, cordelistas, estudiosos e entusiastas do Cordel, incentivando nas gerações de poetas populares, presentes e futuras, o direito de contar e recontar a nossa história, em verso e em prosa, em todos os lugares deste País.
É o que eu tenho a dizer!
Deputado Inácio Arruda


Fonte: www.inacio.com.br
(PCdoB-CE)

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